quarta-feira, 12 de agosto de 2015

o sonho do rei



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em 1066 um rei acordou inquieto
havia sonhado com a sua passagem 
setecentos anos depois houve quem calculasse a sua rota
um astrônomo amador o observou em dezembro de 1758
chineses já o mencionavam desde 239 a.C.
especialmente antes de dormir
depois do amor ou durante o chá
quando o rei acordou mandou fazer uma tapeçaria
onde vários homens apontam incrédulos para o céu
talvez nunca tenha imaginado que o período de sua órbita é de setenta e seis anos
mais ou menos o tempo que viveu?
se inquietaria ao saber que sua distância em relação à Terra
é eternamente variável?
em 1986 passou muito distante
em 2061 passará novamente, não se sabe o quão perto
já em 2134 é estimada uma abruta e temorosa aproximação
o rei não sonhou com sua queda, mas com sua passagem iminente
não o chamou de cometa, e sim de estrela fugidia
talvez tenha sido seduzido por
sua promessa de carícia luminosa ou de apática destruição
sua indiferença
seu calculado plano de ataque
não é isso afinal o que se ama
os súbitos fins
as sobrevivências improváveis
em 1886 uma nave passou a 596 km de seu núcleo
queriam saber como era seu coração
uma grande bola de gelo sujo ou um estranho conjunto corpos
distintos executando a mesma órbita?
o que não se esperava era seu núcleo ser, em verdade, informe e morno
dependente do calor da superfície pedregosa 
será por isso que se faz pedidos a estrelas fugidias?
esses que anunciam suas brutas existências com sutilíssimos sinais
terão os favores da sorte os que transladam imprevisíveis rotas
com o coração em plena metamorfose, intempestivo, fugidio
a pele, generosa indócil, disponível a incêndios 

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