terça-feira, 11 de agosto de 2015



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Estamos  presos a um ponto subterrâneo dessa cidade  que é excessiva superfície: terra e rocha condensadas em cúmulos repentinos. Extensas planícies  sem recuos. Algumas baías e lagoas revestindo a insistência desse mesmo chão. Um homem te encara sem sutilezas, uma criança chora por toda a miséria que há, uma mulher corrige falhas mínimas em suas unhas implacáveis. Quando a próxima estação é anunciada você, assim como eu, não cultiva esperanças imediatas e isso é o que me faz te olhar. A mim, chateia-me o calor, a secura, a repetição dos fatos que compõem a solenidade desse instante. Divirto-me, por outro lado, encurtando e alongando o vão entre as nossas pernas. Você me diz alguma gentileza sem consequências drásticas. Talvez pense em mim ao ir embora, mas me substituirá rapidamente por alguma álgebra, algum cansaço, alguma questão abstrata ou demasiado prática. Intuo nosso encontro um acontecimento irremediável, como são todos os contatos com as coisas sem definição. Agora uma criança se aproxima de você e saca uma lente de aumento. Em vez de ampliar qualquer coisa, ela posiciona a lupa rente ao próprio rosto e aguarda reações. Eu sorrio com satisfação discreta, você parece acuado ou rigorosamente aborrecido.  A menina exibe sua imensa boca e fala coisas num idioma de silêncios e ruídos, te explica algo muito importante,  talvez diga que esse momento  só a olhos nus parece estático: tudo se move ferozmente. O retorno à superfície não é sem consequências: há excessiva terra entre nós; a luz do dia chama a feitos esclarecedores, mas passo as próximas horas tateando um precipício ao rés do chão.

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