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Um carro passa em alta velocidade.
Talvez eu esteja dentro dele e pense em te encontrar. Talvez seja o homem da
hipoteca rondando a sua casa desde cedo da manhã. Pode ser também o entregador de comida
oriental que pena em compreender a caligrafia de quem anotou seu endereço. Mas
agora eu estou na rua paralela à sua, entro num táxi e peço para ir a Botafogo
através do túnel velho. Passeio pela orla com maus pressentimentos. Faço
algumas anotações, custo a abandonar os assuntos aos quais sempre retorno: talismãs, ruídos,
caminhadas, presságios, epístolas, a sorte. Talvez eu pudesse fazer um poema
sobre uma mulher que passeia com um enorme
cão e sua saia que ondula conforme a direção do vento na enseada.
Poderia prescrever um caminho em termos geométricos, indicar que se ande nove metros em linha reta
rumo ao sul, que se vire o corpo para oeste e se caminhe numa diagonal cuja extremidade
de chegada seja um ponto mais ao norte. E então cumprir a rota e fazer anotações a respeito do
caminho, do que surpreende, do que é indiferente, do que é impossível. Ou poderia também
escrever um texto sobre um homem que odiava usar sapatos, dormia de barriga pra
baixo e tentava a todo custo sintetizar disparidades. Esse homem por ser ou não aquele que deu contornos tão
provisórios quanto precisos a uma inominável sensação de urgência que retive e retenho ainda agora. Possivelmente vou escrever sobre queimar os pés na areia imprópria para ocupar as horas. Sobre se espantar
com um veículo que passa a mais de cem por hora por uma pequena rua. Sobre meu cada vez mais suspeito e impreciso paradeiro.
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