quarta-feira, 26 de agosto de 2015

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Um carro passa em alta velocidade. Talvez eu esteja dentro dele e pense em te encontrar. Talvez seja o homem da hipoteca rondando a sua casa desde cedo da manhã. Pode ser também o entregador de comida oriental que pena em compreender a caligrafia de quem anotou seu endereço. Mas agora eu estou na rua paralela à sua, entro num táxi e peço para ir a Botafogo através do túnel velho. Passeio pela orla com maus pressentimentos. Faço algumas anotações, custo a abandonar os assuntos aos quais sempre retorno: talismãs, ruídos, caminhadas, presságios, epístolas, a sorte. Talvez eu pudesse fazer um poema sobre uma mulher que passeia com um enorme cão e sua saia que ondula conforme a direção do vento na enseada. Poderia prescrever um caminho em termos geométricos, indicar que se ande nove metros em linha reta rumo ao sul, que se vire o corpo para oeste e se caminhe numa diagonal cuja extremidade de chegada seja um ponto mais ao norte. E então cumprir a rota e fazer anotações a respeito do caminho, do que surpreende, do que é indiferente, do que é impossível. Ou poderia também escrever um texto sobre um homem que odiava usar sapatos, dormia de barriga pra baixo e tentava a todo custo sintetizar disparidades. Esse homem por ser ou não aquele que deu contornos tão provisórios quanto precisos a uma inominável sensação de urgência que retive e retenho ainda agora. Possivelmente vou escrever sobre queimar os pés na areia imprópria para ocupar as horas. Sobre se espantar com um veículo que passa a mais de cem por hora por uma pequena rua. Sobre meu cada vez mais suspeito e impreciso paradeiro. 

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