sexta-feira, 21 de agosto de 2015

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De volta aos escombros. Reviro o amontoado de cimento e ferro, mas não o encontro. Habitamos longamente sobre o aterro. Sempre indiferentes ao mar silenciado sob nossos pés. Até o dia em que pensei tê-lo escutado, primeiro como uma mínima perturbação, um zumbido inquietante que me lançava para fora de leituras e de abstrações mais prolongadas. Depois como aquele barulho produzido pela oquidão das conchas e, então, insistente e forte, como o som de água colidindo contra pedra. Lentamente os lençóis cotidianos começaram a se transmutar em pequenos arrecifes. Os utensílios domésticos se revestiam de ferrugem e substância perolada, era certo que o mar forjava o seu retorno. Nos assombrava com as silhuetas de suas ondas, vultos das marés, fossas abissais, bancos de areia. O chão alteava,  a casa parecia não resistir, compactuava apaixonadamente com seu mergulho. Fugimos.  Só muito tempo depois soubemos que não foi o mar que a derrubou e sim a súbita falência de suas estruturas. Foi abaixo em um só golpe. Mesmo agora não consigo perceber seus sons ou seus vestígios, nenhum rumor subterrâneo. Surpreendo-me, porém, ao encontrar minha antiga cama quase inteiramente preservada. Estendo meu corpo lá onde experimentei meus primeiros sonos de exaustão, perseverantes insônias, sonhos miraculosos. Noto que os lençóis já não recendem mais a sal. Nenhuma explicação, nenhum antigo tesouro, apenas a origem de tudo que se ergue e desmorona: vertiginoso mar desde sempre ressequido.

(Foto da Daniela Paoliello)

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