De volta aos escombros. Reviro o amontoado
de cimento e ferro, mas não o encontro. Habitamos longamente sobre
o aterro. Sempre indiferentes ao mar silenciado sob nossos pés. Até o dia em que pensei tê-lo escutado, primeiro como uma mínima perturbação, um zumbido inquietante que me lançava para fora de leituras e de abstrações mais prolongadas. Depois como aquele
barulho produzido pela oquidão das conchas e, então, insistente e forte, como o som de água colidindo contra pedra. Lentamente os
lençóis cotidianos começaram a se transmutar em pequenos arrecifes. Os
utensílios domésticos se revestiam de ferrugem e substância perolada, era certo que o mar forjava o seu retorno. Nos
assombrava com as silhuetas de suas ondas, vultos das marés, fossas abissais, bancos de areia. O chão alteava, a casa parecia não resistir, compactuava apaixonadamente
com seu mergulho. Fugimos. Só muito tempo depois soubemos que não foi o mar que a derrubou e sim a súbita falência de suas estruturas. Foi abaixo em um só golpe. Mesmo agora não consigo perceber seus sons ou seus vestígios, nenhum rumor subterrâneo. Surpreendo-me,
porém, ao encontrar minha antiga cama quase inteiramente preservada. Estendo meu corpo lá onde experimentei meus primeiros sonos de
exaustão, perseverantes insônias, sonhos miraculosos. Noto que os lençóis já não recendem mais a sal. Nenhuma explicação, nenhum antigo
tesouro, apenas a origem de tudo que se ergue e desmorona: vertiginoso mar desde sempre ressequido.
(Foto da Daniela Paoliello)
(Foto da Daniela Paoliello)
Nenhum comentário:
Postar um comentário