sábado, 15 de agosto de 2015



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Perceber com as extremidades do corpo o volteio das paredes. Tatear vestígios de antigas fendas, notar a massa revestindo cavidades com imperfeito acabamento,  descobrir as cicatrizes da improvável pele. Aproximar as têmporas do concreto, investigar os fluxos de água. Perceber o esqueleto úmido da casa, descobri-lo, a um só tempo, coluna e correnteza. Era necessária muita escuta para notar a água que sobe e desce pelos andares, os passos de pés descalços e dos calçados, os rumores não humanos, as portas fechadas com raiva ou com pesar. Com o passar dos dias já era possível divisar o escoamento insondável do gás indo de uma chama a outra, aquecendo a água para banhos precisos ou dispendiosos.  Os ossos de quem dorme no quarto ao lado, rangendo a cada insônia,  no corpo a corpo com a vigília.  Distinguia as frequências da vida retilínea e oca das de vida ondulante e espessa, mas não separava os tremores de cimento e vidro daqueles dos corpos e suas precipitações. Não foi imediatamente que pressenti tua chegada. Notei antes o tremor de um fluxo não constante, de peso variável e aproximação intermitente. Suspender os caminhos de ar, altear o fôlego dos espaços, provocar súbitas palpitações.  Sentir então, com as extremidades do corpo, os volteios da tua pele, as antigas fendas revestidas de massa imperfeita, tuas úmidas sustentações. Confundir tua vida com a vida das paredes, dos corpos anônimos e do meu próprio. Intuir uma forma de permanência fundada nos convites à ruína, perceber o fluxo como súbita demora, marchar em contratempo.

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