quarta-feira, 9 de setembro de 2015

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Às dez horas da manhã um homem atravessa a rua. Sente uma dor profunda e gasta ao olhar para um prédio, mas desvia da entrada com firmeza. Enquanto isso um guerreiro  Sateré-Mawé já está há nove minutos com uma mão dentro da luva cheia de formigas tucandeiras: se permanecer um minuto mais, conseguirá passar no teste. Na hora mais quieta da madrugada, uma mulher encara  uma folha de papel em branco e encosta o grafite do lápis no canto esquerdo superior. Ela ainda não tem ideia do que vai escrever. O mesmo homem que mais cedo atravessou a rua agora fuma um cigarro olhando para a Nossa Senhora de Copacabana e se sente estranhamente forte. O guerreiro conseguiu permanecer dez minutos com a mão dentro da luva e agora arde em febre, mas sorri.  A mulher começou a escrever uma história estranha sobre uma menina que encantava serpentes e se deixava picar. O veneno, mortal para todos, nela operava como um remédio fortalecedor. O homem termina seu cigarro e decide que é hora de trocar a fechadura da entrada, liga para um chaveiro como quem telefona para um amor recém chegado. O guerreiro arde em febre, mas bebe caiçuma e olha vagarosamente o corpo da mulher que ama e com quem agora poderá se casar. A escritora descobre que vai ter um filho e abandona a história da encantadora de serpentes, mas não para de sonhar com ela. O guerreiro Mawé sai para caçar e faz uma pausa num igarapé. Há uma onça que o aguarda do outro lado, ainda não se sabe quem triunfará. O homem anda na rua e durante duas horas inteiras não pensa naquilo que mais  dói. O mundo segue reluzente e impiedoso, é possível não haja nenhum sentido que determine o que vai permanecer  e o que se arruinará. Mas pode ser que haja uma força, mágica e insurgente, que nunca pare de aproximar o que finda daquilo que ainda agora acaba de nascer. 

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