terça-feira, 8 de setembro de 2015

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Proponho-me a escrever e tornar público um texto por dia durante trinta e um dias. A vida passa a transladar em torno dessa insensata operação. Escrever é fazer ecoar nas regiões côncavas de mim toda voz que não a minha. Estar tão atenta à oquidão dói feito uma dor de ouvido, transformação de um anatômico vazio em impiedosa atenção. E escrever nunca teve a ver com remediar a dor, tem a ver com sentir o peito arder em brasa e não dizer uma palavra sobre isso. Tem a ver com sentir o peito arder em brasa e dar espaço para a voz da arma que fere. Quando escrevo só tenho uma hipótese: a de que o coração de tudo que há é um vazio prenhe de transformação. É preciso me deixar arrebatar pelo que é feroz e ainda assim saber que estou fingindo. É preciso tornar radicalmente indistintos o inventar e o estancar. Entrelaço escritura e vida e, agora ao fim, percebo que não se trata nem de abandonar o vivido em prol da escrita e nem de transformar o texto em reflexo de experiência qualquer. A escrita opera na vida e, portanto, expande a si própria enquanto alarga o vivível. Escrever é engolir espadas. Se a escrita chega a roçar o fundo do corpo não é porque de lá advém, é antes porque se pode transformar um corpo estranho naquilo que há de mais próprio. Roço o que é mortal e me salvo à custa de saber abrir espaço para a inconsistência. Escrever, é preciso fazê-lo com o respiro entre os ossos, com o oco da garganta, com o instante entre uma batida de coração e a outra. Escrevo porque nada coincide inteiramente consigo próprio e pode-se reinventar o mundo  bordejando essa fenda com o nome pulsante do desejo, ou de seu rutilante par, a diferença.

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