sábado, 5 de setembro de 2015

27




De vez em quando você desaparece bem na minha frente. Ainda bem que ainda hoje limpei o vidro das janelas e a essa hora encaro farol lá longe que ilumina a silhueta praia e depois a superfície rugosa do mar. Sinto sua falta, caminho. Vou até o mar molhar os pés a despeito do inverno rigoroso. Se você estivesse aqui, colocaria seu braço sobre os meus ombros ou andaria um passo atrás de mim encontrando e perdendo constelações no céu.  Mas eu sou da rua, você sabe, a rua é meu farol. Toco seu cabelo em outra cabeça, beijo seus ombros em uma cama onde nunca dormi. Mas ainda estou a poucos passos de casa, me guio por algum conjunto de estrelas que você inventou e nomeou e também pela luz intermitente que passa lambendo o meu o rosto agora. Nessa hora certa, Vênus sai de sua órbita retrógrada e volta ao seu trajeto habitual como se nada houvesse. Outra estrela ou planeta sai rodopiando de uma forma inconsequente por esse mesmo céu. Esqueci os sapatos, os deixei rentes ao seu canto preferido da sala. Alegria imensa, a sala cheia de flores, um som estridente e antigo na vitrola, você lendo um livro que te explicava a vida das plantas e dos minerais. Ou um livro de crime, seu cenho franzido, a coluna descolada da espalda.  Chego ao cais e a noite treme. Uma mulher vestida de tigre briga com um faquir. Há quem solte uma gargalhada sem fim. Consciência extrema de estar só bem no centro de um abraço. Sensação de estar rigorosamente desperta bem no centro da noite. Não me abandonam meus guias, estável banalidade e inexplicável magia. 



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