quinta-feira, 3 de setembro de 2015

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Os dias de colheita superam em muito os dias de plantio, as incursões verticais são regulares, mas percebo que conquisto, pouco a pouco, a extensão dos solos. Encaro os quatro pontos cardeais do elevador, faço a volta completa, avanço extensamente enquanto simulo resignação. Você se empenha em tirar proveito dos colapsos, está sempre atento ao que acumula e precisa escoar. Diz que a vida se sustenta na economia dos excessos, que queria aproveitar a promoção. Conquistamos muitos metros a pé, eu sempre atenta à silenciosa ginástica com a qual alargo meus passos, à distensão dos deslocamentos à altura do chão. Dois salgados e um refresco, suas pernas coladas às minhas por baixo da mesa. Ouvimos eclodir a revolução na Cinelândia, suas mãos investigam meus joelhos enquanto eu catalogo pedras, não conforme a tipologia dos minérios e as eras geológicas, mas em relação ao quanto se deslocaram ou se mantiveram paradas. Você questiona a procedência da comida, tudo parece muito perigoso, avançamos. É verdade que ainda não nos conhecemos, mas nos une a urgência de uma cumplicidade. Mantemos as armas abaixadas, mas sempre à mão. Você propõe a invasão da Biblioteca Nacional, diz que devemos queimar todas as páginas que propõem a ideia de origem, que toda crença no começos é culpada. Eu acredito na força dos espaços, desejo o alargamento das praças e das planícies, a demolição das fachadas, a destruição dos anteparos. Mas suas mãos conspiratórias, prontas para destruírem documentos e macularem obras raras,  estão agora joelho acima e falamos da memória dos dias amplos, a liberdade de avançar sem rota, os resgates. Não nos conhecemos, mas, enquanto nos tateamos cegamente, os efeitos rompem seus pactos com as causas, os muros caem, se faz evidente a arbitrariedade das catalogações. A revolução irrompe sem heróis,  não nos conhecemos e nos investigamos sem crença. Toda a fé no que acontece sem anuncio nem premissa. 

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