segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

não é nada mais que minha vontade de estar no meio do seu ser tão de vontades ainda não ditas, de participar de seus pedaços, de forma inteira. e de tentar advinhá-la para te fazer uma invenção parecida com um acalanto, uma flor ou um travesseiro que se oferece a sua cabeça com uma franja mal-feita por você. aos poucos, tentarei forjar rédeas e uma carroça para domar esse cavalo e os outros possíveis desse ser tão com muitas veredas. invento-lhe também algo como uma cor de ambár. bárbara, como queiras, mas ambár. tudo existindo em uma ordem inabalável e sempre à beira de qualquer mudança aguda, Deus como uma suave rigidez, manifestações divinas sem nos darmos conta. mas ainda estávamos em tua cama, e pode ser que seja tarde para te pedir: vem me assustar, vem me botar de cara com a minha falta de tamanho, vem saudar o Deus que há no centro de todos os ímpetos, vem promover a alquimia, vem assumir teu corpo, vem deixar a conquista do amor para ser o que há de mais radical no amor, vem criar teu corpo, vem praticar jogos de renúncia, vem me desfazer da minha intenção de controlar, vem me dar a intenção de sustentar presença no mais profundo do instante. talvez acabe nesse exato instante em que tua ternura se aproxima de mim, recobrindo o mais afiado dos meus ossos, podia ser então que eu fosse jovem e tu mais jovem ainda, deitados no jardim da casa dos meus pais, amando-nos silenciosos, apontando constelações inexistentes no céu, podíamos ser tolos, desajeitados, amores-eternos de uma noite, naquela mesma noite em que me pedirias em casamento, me oferecendo um anel feito de papel de coisa doce e eu te aceitaria de todas as formas que se pode aceitar. quando tu me perguntaste por que eu olhava tão triste enquanto te ouvia falar, eu então sorri dizendo do céu assim meio laranja, para não ter que dizer que o que me fazia triste na verdade era tua beleza me atingir em tantos sentidos, me comover de tantas maneiras, que te olhar era tocar no desperdício, naquela coisa que sempre faltava ou sobrava, o que de ti eu não tocava com extremidade qualquer. quando nós saímos de mãos dadas, não, as mãos quase se tocando, fiquei parada, esperando, esperando que dissesses logo que tinhas feito um plano para nós, que querias dormir comigo naquela noite e nas seguintes, que morrias de vontade de ter um filho meu, que te tenho pelo jeito como vou embora e te deixo sozinho, pelo meu jeito de ser tão sem dono, por estar tão agradecida, tão agradecida, meu Deus. perguntaste se eu me lembrava do começo, sim – respondi – aquela manhã, teu cabelo solto, misturado a fiapos de luz. hoje fez sol e depois choveu e o céu ficou meio laranja, eu acho então que começou aqui quando eu encarei minhas próprias mãos para ter coragem e só então tocar a tua. nós dois, coisas inteiras rasgadas enfim

Um comentário:

  1. gostei, de todas as maneiras que se pode gostar. me fez pensar em quantas coisas não dizemos e dissimulamos quando um mundo acontece dentro submerso. é bem assim.

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