É que o dia passa a seco, nenhuma
dormência, nenhum esquecimento. O dia pesado e rígido diante do espelho,
revestindo todas as paredes, fazendo peso invisível no chão. Difícil eleger o
que é alegria nesse emaranhado de claridade e espera. Estranho recorrer a
esses velhos nomes, sem desejo de
encontro, apenas pelo prazer da fantasia colada em cada um, apenas o prazer de
dizê-los, a língua estalando no céu da
boca, se debatendo contra os dentes. São ainda mais estranhas essas
investigações: quanto pesava, havia algo nascendo dentro, como estava por fora,
como lhe chamavam, valia quanto. Observa-se todos os aspectos, quantidades
presentes no eixo x e no outro, mas sobretudo o indizível, acima de tudo a
mudez. Acima de tudo a mudez porque era ali que nos encontrávamos: a muda
sedução enquanto você ia ao banheiro e eu ficava esperando na sala ao lado,
você dormindo um colchão acima do meu, as boca preenchidas talvez se querendo
durante o jantar. Ainda mais quando eu estava sem nenhuma notícia sua e infinitamente
mais quando sequer nos conhecíamos. É que você pensa que é tão esperta, me
disse que quando criança leu o dicionário inteiro, A a Z, daqueles bem grandões. Você decorou
todas as capitais do mundo e os principais rios de cada continente. Aquele dia
você estava tão alegre dizendo Volga Danúbio Douro Ural Dniepre Kama Don
Péchora Dniestre Reno. E eu decorando cada parte do teu rosto, a testa larga,
os olhos rasgados lembrança de alguma selva ou savana, a boca tortinha para a
esquerda, o nariz apontando para cima. A boca tortinha perturbando toda a noite
e talvez o mundo inteiro. Dvina Setentrional e Ocidental Elba Donetz Vistula
Weser. Teus cabelos cor de palha queimada, teu cheiro de verão desafiando o alto inverno. Sena Ardila Loire. Tua voz. O Tejo. E o calmo sentido das coisas era
muito parecido com a incontrolável confusão daquela hora feita de pele, medo, luminosidade, geografia, correnteza.
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
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