(Laura Lucia Sanz)
Gosto de lembrar da noite em que mandamos missivas ao falso cego. Bebida abrindo trincheira no corpo e aquela ternura fora de hora, os lábios que tinham a forma de um coração desenhado por uma criança. Gosto de nunca mais poder viver aquela noite repleta de pequenas ânsias. Porque nada mais humano que querer um pouco. Os grandes desejos são como milagres, são clara raridade incalculada. O mais humano são nossos pés cobertos dessa manta quente e amanhã nem sinal. Os nossos cabelos trançados e logo mais nem sei. Mais humano o meu corpo enrugando, as juntas se quebrando. O milagre é essa ferida que fecha, marchando contra o tempo, promovendo um nascimento fora de hora. Milagre era tua pele parecer tão a minha e eu nem saber teu nome. Mas eu falava sobre aquela noite, o gosto dos copos usados, teu jeito tão impreciso de mostrar que queria mesmo era estar lá. O céu que desabava e as pequenas demolições entre cada um de nós. Ana revirava os olhos, Julio já nem se movia. Mas havia uma alegria embriagada, um erro todo libertador que era o nosso encontro. Retidão já nenhuma, apenas os braços delgados de Aline, a voz barítona de Márcio e entre nós dois esse tropeço constante que sustenta a graça da mais ordenada dança.
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