Passou o feriado e eu fiquei pensando no São Sebastião.
Os santos e o inferno sempre
foram boas desculpas para os artistas mostrarem o êxtase da carne e o maléfico maravilhoso. Sebastião me
parece uma dessas figuras que personificam o gozo, além de ser um corpo idealmente belo, parecido com os homens criados pelo estatuário grego. Como se Adônis fosse
retomado pela cultura cristã, mas com um álibi que possibilita a exaltação da
sua beleza sobre-humana: a ferida. Estava lendo Espelho da
Tauromaquia do Michel Leiris e encontrei por lá essa descrição do belo:
“(...) beleza alguma seria
possível sem a intervenção de algo acidental (o infortúnio ou a contingência)
que arranque o belo de sua estagnação glacial, com o Um sem vida faz-se
Múltiplo concreto ao preço de uma degradação. (...) a beleza não se constituirá
pelo mero contato de elementos opostos, mas por seu antagonismo mesmo, pela
maneira ativa com que um irrompe no outro, deixando aí sua marca, como ferida e
depredação. Não será belo senão aquilo que sugere a existência de uma ordem
ideal, supraterrestre, harmoniosa, lógica, mas que ao mesmo tempo possui – como
tara de um pecado original – a gota de veneno, a ponta de incoerência, o grão
de areia que perturba o sistema. Ou então, inversamente, será bela toda borra,
todo veneno que uma ínfima gota ideal venha iluminar.”
Interessante pensar que São
Sebastião sincretiza com o orixá das matas Oxóssi na nossa Umbanda. Se Sebastião
é a caça, Oxóssi é caçador. O artista, como o que lida com as potências dessa beleza venenosa, é aquele que fisga por ter sido, antes ele, fisgado. Também ele empunha a flecha e tem, a um só
tempo, seu o dorso transpassado. É picada e mata.
Essa figura que personaliza o
belo masculino remete também a Apolo, o deus das formas, das medidas e do sol. Sobretudo nesses dias de janeiro, é difícil pensar que o sol possa ser entendido como isso que garante a ordem. As criaturas dos trópicos vivem sob o signo da cintilância, tem os olhos maculados pelo brilho e a
pele fustigada pelo sol.
Nos trópicos, Apolo se revela
dionisíaco. Sebastião se revela Oxóssi. O ideal - alhures intangível - nos tange com
raio e flecha, porque transborda de si mesmo, excede.
Aqui são os deuses que nos oferecem a sua
outra face. E a beleza é uma musa envenenada pela luz.