Lembrava da pele de Ana e enganava os dedos, contornando a espessura do vidro, as ranhuras do estofado. Terminava o primeiro cigarro do dia, falhando na promessa de parar e sucumbindo ao pensamento nela de quem eu fugia com tanta obstinação. Encarava o rosto de Ana enquanto olhava as ondulações que ladeavam meu caminho até Minas Gerais. Ana e seus olhos-pergunta, sua pele sem traço de perfume qualquer, pele toda corpo. Era preciso que Ana ficasse para trás e eu seguisse adiante. Ela e o apartamento em Botafogo, a São Clemente inundando, a sinfonia de buzinas e Ana lamentando a morte de alguma de suas plantas, a reação de algum aluno, o desfecho de um filme. Tudo doía nela, menos eu.
Lembro daquela tarde em que chovia, Ana se lamentava e eu coloquei minhas mãos pesadas no seu ombro abaixando seu vestido até a cintura sem dizer nada. Não era desejo propriamente dito, era vontade de derrubar, desafiar aquele corpo. Era vontade que Ana se doesse em mim. Lembro da respiração pesada, quase um lamento. O corpo que cedeu ao chão. Seus olhos opaco e os membros pesando feito pedra. A São Clemente naufragava e eu ia junto. Na tentativa de ter aquela mulher, perdia tudo.
Ela dormia um sono pesado quando eu ia até a janela fumar um cigarro. E tinha lembrança daquela primeira vez quando eu a vi sambando desajeitada, aquela dança que prendeu meus olhos por ser estranha e divertida. Encontrei com ela na saída do banheiro. O rosto vermelho, o cabelo suado grudando no pescoço, o vestido fino de malha preta marcando um corpo magro e pequeno. Não foi exatamente fascínio, foi um desejo simples e imediato de estar ao lado dela. Eu disse que era bonito ver ela dançar, ela abriu um sorriso largo e branco e me convidou para uma cachaça no balcão.
Nessa primeira noite o corpo de Ana era a possibilidade e tudo, na noite do naufrágio era uma ilha e hoje, a direção oposta do caminho tortuoso por onde eu seguia.
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