quarta-feira, 24 de julho de 2013

Em Teu nome


Em Tua direção lançarei meus braços, ávidos pelo antigo susto. Que Teus dedos toquem meus olhos e atendam sua fervura obscena. Que pelo peso do Teu amor, eu possa provar dos sabores do mundo com a pele, a língua e os olhos nus. Que as superfícies de todas as coisas umedeçam meu olhar e, feito amante embriagado, verta todo pranto na direção da vida como um gozo lento e abundante. Que meu coração oscile no ritmo do Teu, e juntos dancemos, corpo a corpo, apartados pela distância da carne e unidos pela graça do absurdo.  Que meu corpo comungue e meu espírito palpite, que minha carne honre a vida em cada um de seus ímpetos e minha alma seja  plena da capacidade de hesitar. Que Em teu nome minha dúvida seja cada vez mais fervorosa, mais apaixonada: a dúvida como uma imensa fé na vida em sua possibilidade de oscilar. E que, pela Tua graça, se possa saber que por Ti não há julgamento a se fazer, restrição a se impor. Que Tu és o nome de todas as possibilidades. Que em Teu nome se descubra que em Teu nome não se pode enumerar mandamentos, nem absolver faltas, nem acumular riquezas. Que Tu és o nome do mistério, que és o próprio indivisível entre todos os corpos, que em Ti há a proximidade inelutável entre a fome e a fartura, o calor e o profundo frio, o imenso vazio e o cheio mais inebriado. Que Tu és a encarnação etérea, a afirmação divergente, o imperativo oscilante. E na Tua direção faço uma prece, não de joelhos, mas com os dois pés bem fincados na terra e o peito aberto para o mundo, e peço que todo aquele que vive o sagrado como uma moralidade possa receber o sopro da contradição e perceba que o desejo não é reto, e  que a curva, a questão, a inquietude nos dignificam. Que a moralidade é a Tua morte e o lugar onde fazes silêncio. E que Tua voz só é ouvida em cada gesto de amor pela existência. O paradoxo repousa em Tua fronte, e a dúvida pende de Tua grandiosa mão, feita Tua insígnia mais poderosa. Tua benção não é a exceção dos dias, mas o próprio tempo condensado em calma. Na noturna solidão de um corpo que não sabe do sentido do existir, mas existe: aí estás. A dor cotidiana de uma vida cansada, mas permeada de deslumbre: este é Teu reino. Que em Teu nome, se descubra que o milagre não é o impossível tornado fato, mas o próprio absurdo da vida em suas numerosas faces. Que em Teu nome se descubra que Teu nome é o nome da Vida e que não há nada mais grandioso que a terra molhada, a ferida, duas peles que se tocam, a chuva que precipita, o engano, a risada na hora equivocada. Que em Teu nome aqueles que vivem  esperando a recompensa pelo bem-viver possam compreender, ainda que por um lampejo, que a vida já é o bem maior. E que morrer não é ir ao teu encontro para ser julgado, mas dissolver-se no sorriso que ostentas através do tempos sem saber do que ris. Que o peso da ideia de não ser julgado nos seja possível, que não nos ofenda o fato que não há ninguém nos medindo, nos avaliando, que estamos sós, entre os corpos, operando na ética de nossos desejos. Que a invenção é nossa magia,  e a incompreensão nosso amante maior. E que, no fim, Tu  não explicarás o sentido de tanta dor, de tanto  susto, por que o  gozo nos assusta mais que a injúria, por que há sempre essa fome revolvendo nossa carne, e nos dirá, olhando em nossos olhos, sempre sorrindo, o enunciado e a solução de todo mistério: viveste.     

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