quarta-feira, 22 de maio de 2013



Lição das águas

Lentamente diante de ti. Para que suspeites. Minhas feições: ontem abandonadas, hoje cultivadas por ardis, e em breve despidas de qualquer cuidado. Te mostro quem sou. Dessa vez de dentro para fora, eu que sou toda fora, que me estendo pelas superfícies e me camuflo na textura de todos os toques.  Olha que não sustento mais a fala, nem as tramas da memória, nem os nomes próprios, e os retratos votivos de tantas mulheres a quem dedico minhas preces:  te coloco solitário em meu altar. E depois, desfeita de elevações,  me disponho terrena ao teu conhecimento. Toca-me. Repara que sou densa e que tenho uma finitude em cada começo. Que tudo que me excede também finda.  Me ponho diante do teu olho, que é espelho e  lâmina, te dando os meus próprios olhos contra a claridade, te dando minha cegueira, minha incorreção. E depois noto que teus olhos já não me refletem e nem me cortam, mas me dissolvem, me deformam. E brinco, desajeitada, de ter a forma de todas as coisas. Tenho o peso da espuma. Depois sou maciça feito cobre. Afundo. E me ergo. Anêmona, âncora, baú. Sou onde cabe qualquer vida. Depois ocupo o espaço de um templo. E diminuo, peixe amedrontado, conhecendo a morte antes de entender o que é nascer. E reparo que teus olhos me dão a existência sem um rosto, e eu me dou todas as faces, grito no escuro, fico sutil rente ao pânico, sou iluminada por uma ternura. Aqui, nesse escuro onde dou ao teu olho a justa medida do olhar, me faço abundante e informe. Úmida,  lama, tesouro. 














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