quinta-feira, 18 de abril de 2013







A exposição de Eduardo Berliner, presente na Sala A Contemporânea do CCBB-RJ no período de 26 de fevereiro a 31 de março, é composta de pinturas sobre tela, pinturas e desenhos sobre papel, objetos escultóricos, vídeos e fotografia. Em suas figurações, o artista apresenta um mundo sem contornos definidos, feito de súbitos lampejos e iminentes dissoluções.  Utiliza-se da tinta borrando limites, transbordando margens. Seus traços invadem, abruptamente, campos de cor. Com uma paleta que tende para tons escuros, constrói céus sombrios, cenários úmidos e focos de fogo. Quando o calor se mostra em cor é no vermelho do sangue ou das flores  que surgem sobre a estranha aridez que as fecunda.  A presença da figura humana recorre, envolta de paisagem bucólica ou na arquitetura da cidade.  Os atritos entre corpo e mundo são feitos de perfurações, capturas, dilaceramentos, pancadas. Pinceladas furiosas constroem a pele como uma massa de ocres, compondo corpos desmembrados e membros sem corpos, que anunciam presenças irreveladas. Nos contatos  entre  corpos, a violência não é óbvia, mostra-se aguda e pungente. Há também ternuras que persistem, sujeitos que testemunham a fragilidade de outros e, assim, também a própria finitude.



As figurações de Berliner apontam a uma intimidade estrangeira com o mundo. Do banal emerge o inesperado. Do conhecido, o susto. Nesse sentido, o artista persegue a gramática dos sonhos: o mais alheio produzido pelo profundamente pessoal.  O artista introduz nas suas imagens esse teor indesvendável do onírico, aquilo que, tendo parentesco com o conhecido, está fora da simbolização, estranho à linguagem e suas normativas. A arquitetura da cidade,  promovedora da inação, do tédio e da preguiça, pode ser o cenário da angústia e do fascínio. O estranho, em Berliner, faz corte com qualquer homogeneidade apaziguada. O artista coloca em questão o desenho de observação, apresentando-o como uma experiência de nascimento: o que nasce sempre tem a potência de perturbar o mundo. O imaginário da infância, que recorre em suas obras, pode ser tomado como um duplo do seu próprio gesto: a infância, assim como a obra, abre um rasgo que faz vacilar as estruturas das instituições. A verdade da produção poética e a verdade da infância são alheias às  medidas do saber constituído, são potentes de um modo diverso ao do poder como se conhece. Ambas chegam ao mundo com exigências de hospitalidade inconformadas com as medidas estabelecidas.  Eduardo Berliner trabalha a superfície como enigma, figura o reconhecível que produz mistério, peles que se dilaceram em aparatos protéticos e a infância como campo de tensões em que o surgimento do diverso acolhe o mundo e seus nascimentos súbitos.


* uma versão editada desse texto foi publicada na revista Dasartes n. 27 
** imagens: reprodução de obras de Eduardo Berliner 

Nenhum comentário:

Postar um comentário