A
exposição de Eduardo Berliner, presente na Sala A Contemporânea do CCBB-RJ no período de 26 de fevereiro a 31 de
março, é composta de pinturas sobre tela, pinturas e desenhos sobre papel,
objetos escultóricos, vídeos e fotografia. Em suas figurações, o artista apresenta
um mundo sem contornos definidos, feito de súbitos lampejos e iminentes
dissoluções. Utiliza-se da tinta borrando
limites, transbordando margens. Seus traços invadem, abruptamente, campos de
cor. Com uma paleta que tende para tons escuros, constrói céus sombrios,
cenários úmidos e focos de fogo. Quando o calor se mostra em cor é no vermelho
do sangue ou das flores que surgem sobre
a estranha aridez que as fecunda. A
presença da figura humana recorre, envolta de paisagem bucólica ou na
arquitetura da cidade. Os atritos entre
corpo e mundo são feitos de perfurações, capturas, dilaceramentos, pancadas.
Pinceladas furiosas constroem a pele como uma massa de ocres, compondo corpos
desmembrados e membros sem corpos, que anunciam presenças irreveladas. Nos
contatos entre corpos, a violência não é óbvia, mostra-se
aguda e pungente. Há também ternuras que persistem, sujeitos que testemunham a
fragilidade de outros e, assim, também a própria finitude.
As
figurações de Berliner apontam a uma intimidade estrangeira com o mundo. Do
banal emerge o inesperado. Do conhecido, o susto. Nesse sentido, o artista
persegue a gramática dos sonhos: o mais alheio produzido pelo profundamente pessoal. O artista introduz nas suas imagens esse teor
indesvendável do onírico, aquilo que, tendo parentesco com o conhecido, está
fora da simbolização, estranho à linguagem e suas normativas. A arquitetura da cidade,
promovedora da inação, do tédio e da
preguiça, pode ser o cenário da angústia e do fascínio. O estranho, em
Berliner, faz corte com qualquer homogeneidade apaziguada. O artista coloca em
questão o desenho de observação, apresentando-o como uma experiência de
nascimento: o que nasce sempre tem a potência de perturbar o mundo. O
imaginário da infância, que recorre em suas obras, pode ser tomado como um
duplo do seu próprio gesto: a infância, assim como a obra, abre um rasgo que
faz vacilar as estruturas das instituições. A verdade da produção poética e a
verdade da infância são alheias às
medidas do saber constituído, são potentes de um modo diverso ao do poder como
se conhece. Ambas chegam ao mundo com exigências de hospitalidade inconformadas
com as medidas estabelecidas. Eduardo
Berliner trabalha a superfície como enigma, figura o reconhecível que produz
mistério, peles que se dilaceram em aparatos protéticos e a infância como campo
de tensões em que o surgimento do diverso acolhe o mundo e seus nascimentos
súbitos.
* uma versão editada desse texto foi publicada na revista Dasartes n. 27
** imagens: reprodução de obras de Eduardo Berliner
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