segunda-feira, 25 de março de 2013



Prestou devoção aos detalhes, abriu frestas de um embrulho, manteve as portas inertes. Todo dia essa luta, a permanência dos corpos sólidos e o temporal incoerente que molha as plantas já regadas, o  chão dissimulado, os furores de dentro. Dentro, uma batida forte. Marcação de um compasso antigo no seu peito e uma voz  ao longe que diz: é preciso acreditar na diferença, a fidelidade é uma muralha que nos protege de querer compreender  qualquer coisa por inteiro. Ela se sentava para dançar, só os dedos correndo pelas superfícies. Experimentava texturas, às vezes gritava. Seus sustos eram sem razão. Ela inteira dentro de uma atmosfera forjada: a luz do dia não dizia nada sobre seu corpo, quem era, ao sol do meio dia? E depois, às três? Invejou os seres guiados pela luminosidade, o tropismo das plantas, o delírio mortal das mariposas. Que a luz fosse esse sentido, essa sedução. Mas fechava-se em um escuro sem saída. O único caminho era mesmo a dança das suas mãos. Com seus dedos urdia uma mortalha. Linho para revestir a morte ou manta de acolher nascidos? Melhor era lavar a casa, esfregar as paredes, os azulejos, o chão antigo. Investigar os cantos, tentar a paz com os animais.  Mas o dia passava e sua febre era a direção de seus impulsos. Machucava-se contra as superfícies, como quem de repente deixa de caber e depois tornava a conviver com as medidas que conhecia, buscando o cálculo exato que revelasse a anatomia  do acidente, do acaso bruto tornado lenta vida.

2 comentários:

  1. Espero ter em breve seu livro em mãos. Pra degustar cada palavra numa folha de papel pólen.

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