quarta-feira, 26 de setembro de 2012


sobre flores e eqüinos

rodrigo sérvulo

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começo a te inventar. seu nome agora é margarida, mas pode ser albertine, tamina, ou pode ter o nome das plantas, frutas ou animais. priscilla não é mais um nome próprio, priscilla é o que margarida inventa para si nos momentos de descuido, desenhando, pegando um ônibus, dançando, chorando, tomando café da manhã, tendo raivas, sorrindo; também - e agora principalmente - no momento do seu medo, quando o coração cria para si pernas e vira um cavalo descontrolado. margarida sabe que priscilla não é uma metáfora e que seu coração torna-se um cavalo descontrolado quando ela não sabe, quando ela apenas sente. e cá para nós, sentir o que seja sem saber nomear pode nos levar à uma certa loucura, que pode ser boa ou não. margarida sente muito intensamente esse palpitar do coração feito cavalo descontrolado e o atribui a priscilla. mas margarida não sabe ainda quem é priscilla e quando for saber, ambas serão outras coisas. mas priscilla sabe que sou eu, mas finge ser outras coisas para fazer o cavalo amansar. priscilla torna-se um campo vasto, cria rajadas de ventos calmos, torna-se uma estrela cadente, vai em busca de palavras novas, vai às memórias boas que habitam sua epiderme, cria uma fuga não-covarde para essas faíscas tristes que habita suas células, que são as células de margarida, e que também são minhas células. você, margarida, ainda não sabe o que fazer com priscilla. eu, que sou priscilla, já estou fazendo de mim uma outra coisa quando me atribuo você a margarida. já somos vários, não temos nome, nem importa tê-lo, porque a solidão tornou-se dualidão, com seus duplos - uma solidão povoada, que dá cambalhotas, que rói caminhos, que se junta às forças da minhas pernas ao caminhar, à cadência da sua voz ao falar, às sinfonias do pensamento, aos sentires nomeados e inomináveis que povoam-me e te povoa, povoando margarida porque priscilla porque eu também. margarida sabe que priscilla é um abraço que parece uma rede, um travesseiro também e não há nada de onírico nisso, margarida mesma sabe que em priscilla tudo é possível. até priscilla ser eu e fingir ser margarida quando finge ser isso: eu. margarida toma priscilla pelo braço, vive com ela não porque foi obrigada, mas porque a criou; eu também, que sou priscilla, habito margarida que às vezes é outra coisa. isso torna meu sentir confuso. sempre acho eu, priscilla, que na hora do banho margarida não sabe lhe dar com a água. ela sempre pensa que a água cai sobre o corpo dela, limpando-a. eu, priscilla, sinto que a água está com o meu corpo, limpando sabe-se lá o que, se limpa. desconfio das coisas que estão sobre, porque às vezes distante. prefiro com: com medo, com cavalos no peito, com alegrias também, com viagens nos bolsos transbordando o cotidiano, com respostas para coisas que ainda não se perguntou. priscilla sabe bem que margarida vive uma vida tão agitada. eu também vivo. todos nós vivemos. tudo está sendo agitado, tudo. inclusive você, priscilla, e você também margarida, que foi inventada por mim. você vai viajar e isso não quer dizer que você não possa ficar parada, no seu cantinho. (eu prefereria te chamar de um nome parecido com o de pássaro). margarida, você quer um cantinho para repousar na priscilla que te habita. dá trabalho está com priscilla, eu sei como é isso. priscilla é uma menina faceira e danada, quer respostas igual as crianças querem as perguntas. margarida, você ainda não sabe, mas você também sou eu. eu que inventei ser priscilla. você, priscilla, sabe que o cavalo em nosso peito, que sobe até o pescoço como um monte de folião batucando uma canção inaudível é uma crise que precisa de um antídodo. margarida quer encontros. eu também quero encontros, por isso forjo-os para não fugir covardemente de priscilla, nem de margarida. invento, primeiro, um monte de coisas, que não são metáforas, repito, são coisas tão reais que nos fazem perder o sono, nos fazem chorar, ter frio ou calor ou fome ou fastio. e também nos deixam aliviados, até com volições para invenções-outras. você, que é margarida, é priscilla sem respostas ainda para suas perguntas. essa é uma invenção turbulenta, mas se você perceber sua calma, seu aninhar-se, seu abraço, sua atenção a todos os movimentos das células, e minha dedicação nisso tudo, verás, margarida, que invento-lhe um novo ser para poder dividir contigo essa priscilla com seus sentires nomináveis ou inomináveis. invento-lhe em seu caderno onde-se-pode-tudo. é uma invenção que se precisa. você podia ser um queijo de manteiga, um chá-mate de limão bem azedo. são 00:55 minutos e daqui há pouco não são mais. preciso levar você, margarida, para ver o ocaso amanhã e assim saberás que o que priscilla sabe do ocaso. iremos falar de várias coisas, iremos confundir as coisas até que elas conquiste um novo tom, uma nova cor, bem clichê mesmo. essa nova cor, margarida, será a cor de priscilla, cor ação que dará novos tons ao seu coração. começo a te inventar e como toda invenção é da ordem do experimento e não do já-dado, já-feito, me pergunto qual é o efeito de tais pedaços entre seus dentes, entre seus cílios. toda invenção é sempre uma tentativa. essa foi uma tentativa de fazê-la perceber que margarida não é nada mais que minha vontade de estar no meio do seu ser tão de vontades ainda não ditas, de participar de seus pedaços, de forma inteira. e de tentar advinhá-la para te fazer uma invenção parecida com um acalanto, uma flor ou um travesseiro que se oferece a sua cabeça com uma franja mal-feita por você. aos poucos, tentarei forjar rédeas e uma carroça para domar esse cavalo e os outros possíveis desse ser tão com muitas veredas. invento-lhe também algo como uma cor de ambár. bárbara, como queiras, mas ambár.

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