colocou-se ali, no centro de si mesma, na cadência forte da sua respiração cansada. gostava desse pensamento, de que não havia descoberta nem revelação alguma a encontrar em seu silêncio. era bom pensar que podia inventar seu segredo mais fundo a cada dia e viver alguns dias sem segredo, sendo pura e clara superfície amena. é que desconfiava de tudo que tinha um âmago sem nome, para depois se pôr devota de qualquer fé. às vezes gostava de pensar que era mesmo a precariedade de suas convicções que constituíam seu fervor, mas se sentia forte quando se acreditava feita à imagem e semelhança do mundo. podia ser que a verdade fosse essa revelação amena dos instantes imprevisíveis, podia ser que o destino fosse um deslizamento sutil do súbito no certo, e que tudo estivesse não pré-escrito, mas previamente tracejado em uma caligrafia de letras vivas, letras como ervas daninhas, de vida exploratória e inquieta.
se afeiçoava por alguns perigos, ser corajosa era uma tontura parecida com o medo quando ele vem. a coragem era então essa rebentação, a espuma que sobra da onda que se choca, uma vertigem sem forma que sobrevive ao desejo do fim. ter coragem era uma secreta aspiração. queria o novo sem alarde, um carinho trágico, espécie de destruição morna que a acalentasse. seu temor era ultrapassar algum limite mortal, então se colocava um pouco antes de qualquer fronteira, desejosa pelo dia em que iria se apresentar ao próprio extremo, olhá-lo bem no fundo de seu olhos fortes. ou então podia ser que a marca do limite fosse só um desenho engraçado, feito por uma criança mimada a quem levamos muito a sério.
restava comer das mitologias de todos os dias, naturalizar a invenção, fingir o súbito. brincar de olhar tudo pelo avesso, devastar qualquer fundação para depois aceitar tudo exatamente como tudo é, acreditando em duração e em essência. quando pensava em morte ria muito, com satisfação e medo, sentindo as ondas da coragem revoltadas no seu peito. porque o grande mistério era então essa grande certeza, e isso a fazia pensar que viver é como perder-se, sabendo-se sempre de volta ao mesmo estranho lugar. pensava nisso e depois não entedia bem no que tinha pensado e os dias eram um constante boiar em águas fundas. a vida era essa tremulação das superfícies e então voltar-se para o centro de si era debater-se e toda sua essência, uma sagrada fúria.
tua escrita é um absurdo. [só me é possível calar, ante esse alumbramento]. depois virão as palavras, sei que sim. feliz pelo encontro, ainda que tardio!
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