havia gargalhadas, tilintares, um bocejo
havia Lucio despedindo-se dos entes
ia para longe, nunca mais se soube dele
a pele morena de Lucio contra aquela faca cega
era de morrer de amor
mas havia um corpo exposto sobre a mesa
e milhares de olhos nadando sobre ele
havia a marca de um molar
rente ao meu pescoço
eu já não entendia o que era sono
e o que era aquele efeito de subitamente se ver de fora
era eu de pé, aquela mulher loira, o contador
e, como se não soubéssemos que iria amanhecer
violentamente,
nos apalpávamos com uma alegria furiosa
quem propôs a roleta russa não fui eu
foi alguém com os pulsos mais delgados
naquela hora eu tive tanto medo que achei que ia quebrar em dois
mas não foi pior que aquela noite de verão
não foi pior que desmoronar em pleno ataque
que perder o equilíbrio rente àqueles olhos
que tremer e apertar o gatilho contra o peito errado
aquela hora não foi pior
que queimar a língua
que perder o sono numa madrugada pesada de tanto silêncio
que estar viva numa madrugada toda feita de silêncio
não foi pior
porque logo houve algo como uma dança
uma mão que agarrou meus braços
um vermelho tingindo os meus pés
a hora de partir
havia a lembrança de uma ternura extrema
de um sufoco tão total
havia eu escapando na hora exata
fugindo pelos corredores
descendo por um elevador
ganhando um texto pronto em plena madrugada
um crime sem culpados em plena madrugada
eu imaginando se Lucio teria se arrepiado
com a minha pele
antes de partir
em plena madrugada
agora havia apenas meu peito ofegante
o pulso aberto
a sensação que quase morte
é coisa de carne viva
sexta-feira, 16 de maio de 2014
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