Água Viva
escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar
sei que meu olhar deve ser o de uma pessoa primitiva que se entrega toda ao mundo, primitiva como os deuses que só admitem vastamente o bem e o mal e não querem conhecer o bem enovelado como em cabelos no mal, mal que é o bom
Não ter nascido bicho é minha secreta nostalgia
entro lentamente na escritura (...) é um mundo emaranhado de cipós, sílabas, madressilvas, cores e palavras - limiar de entrada de ancestral caverna que é o útero do mundo e dele vou nascer
estremece em mim o mundo
Venho do longe - de uma pesada ancestralidade. Eu que venho da dor de viver. E não a quero mais. Quero a vibração do alegre
existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim, que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes, rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas
minha selvagem intuição de mim mesma
Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo - cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico. Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor uma intensa alegria - e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens
o que te escrevo é de fogo com os olhos em brasa
O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo
o mais profundo pensamento é um coração batendo
Não vê que isto aqui é como filho nascendo? Dói. Dor é vida exacerbada. O processo dói. Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro, respiro.
e antes de mais nada te escrevo dura escritura"
C.L.
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