Eu sou
aquele que não te salvou
Sou teu choro preso na goela
A minha infância em terra ensolarada
uma noite úmida
teu
coração que dispara agora
Eu sou esse êxtase doméstico
[teu rosto se
vira rapidamente para lâmpada
fluorescente enquanto pintas as unhas dos pés]
E você,
esperta como uma órfã, anda pelas ruas adivinhando o meu olho
Sempre essa
certeza de que quando eu te visse você estaria despreparada
Você ficava
tentando se despreparar
Cozinhava um
frango com mostarda
chorava no
sofá amarelo
escondia quadros atrás de móveis
Era genial,
de súbito
Bruta e
chata ao fim do dia.
Sentia-se
desprezada pelo porteiro
Trocava olhares
com a caixa do mercado
Comentava sobre a parricida
que agora vai casar
Mas nada
disso era ainda eu,
que te esqueci
durante aquela semana inteira,
que não
voltei apesar de ter dito que era bom.
Eu que te
fascinei porque te lembrava:
um mar não
exótico, como o de Ipanema,
um encontro
ferozmente curto,
um porre imenso com um passeio de táxi depois,
uma cachoeira
que nunca se achou,
o livro que
você escreve há anos mesmo sabendo que nem escreve assim tão bem.
Eu sou esse
corpo que observaste dormir, meio rosto,
metade
afundada num travesseiro escuro,
metade
iluminada.
Eu sou esse
teu rosto insone que não entende nada e sorri.
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