Em Tua direção
lançarei meus braços, ávidos pelo antigo susto. Que Teus dedos toquem meus
olhos e atendam sua fervura obscena. Que pelo peso do Teu
amor, eu possa provar dos sabores do mundo com a pele, a língua e os olhos nus. Que as superfícies
de todas as coisas umedeçam meu olhar e, feito amante embriagado, verta todo pranto na direção da vida como um gozo lento e
abundante. Que meu coração oscile no ritmo do Teu, e juntos dancemos, corpo a
corpo, apartados pela distância da carne e unidos pela graça do absurdo. Que meu corpo comungue e meu espírito palpite,
que minha carne honre a vida em cada um de seus ímpetos e minha alma seja plena da capacidade de hesitar. Que Em teu
nome minha dúvida seja cada vez mais fervorosa, mais apaixonada: a dúvida como
uma imensa fé na vida em sua possibilidade de oscilar. E que, pela Tua graça, se possa saber que por
Ti não há julgamento a se fazer, restrição a se impor. Que Tu és o nome de
todas as possibilidades. Que em Teu nome se descubra que em Teu nome não se
pode enumerar mandamentos, nem absolver faltas, nem acumular riquezas. Que Tu
és o nome do mistério, que és o próprio indivisível entre todos os corpos, que
em Ti há a proximidade inelutável entre a fome e a fartura, o calor e
o profundo frio, o imenso vazio e o cheio mais inebriado. Que Tu és a
encarnação etérea, a afirmação divergente, o imperativo oscilante. E na Tua
direção faço uma prece, não de joelhos, mas com os dois pés bem fincados na
terra e o peito aberto para o mundo, e peço que todo aquele que vive o
sagrado como uma moralidade possa receber o sopro da contradição e perceba que o desejo não é reto, e que a curva, a questão, a inquietude nos
dignificam. Que a moralidade é a Tua morte e o lugar onde fazes silêncio. E que
Tua voz só é ouvida em cada gesto de amor pela existência. O paradoxo repousa
em Tua fronte, e a dúvida pende de Tua grandiosa mão, feita Tua insígnia mais poderosa. Tua benção não é a exceção dos dias, mas o próprio tempo
condensado em calma. Na noturna solidão de um corpo que não sabe do sentido do
existir, mas existe: aí estás. A dor cotidiana de uma vida cansada, mas permeada de deslumbre: este é Teu reino. Que em Teu nome, se descubra que o
milagre não é o impossível tornado fato, mas o próprio absurdo da vida em suas
numerosas faces. Que em Teu nome se descubra que Teu nome é o nome da Vida e
que não há nada mais grandioso que a terra molhada, a ferida, duas peles que se
tocam, a chuva que precipita, o engano, a risada na hora equivocada. Que em Teu
nome aqueles que vivem esperando a
recompensa pelo bem-viver possam compreender, ainda que por um lampejo, que a
vida já é o bem maior. E que morrer não é ir ao teu encontro para ser julgado,
mas dissolver-se no sorriso que ostentas através do tempos sem saber do que
ris. Que o peso da ideia de não ser julgado nos seja possível, que não nos
ofenda o fato que não há ninguém nos medindo, nos avaliando, que estamos sós,
entre os corpos, operando na ética de nossos desejos. Que a invenção é nossa
magia, e a incompreensão nosso amante
maior. E que, no fim, Tu não explicarás
o sentido de tanta dor, de tanto susto, por que o gozo nos assusta mais que a injúria, por que
há sempre essa fome revolvendo nossa carne, e nos dirá, olhando em nossos
olhos, sempre sorrindo, o enunciado e a solução de todo mistério: viveste.
quarta-feira, 24 de julho de 2013
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