Prestou
devoção aos detalhes, abriu frestas de um embrulho, manteve as portas inertes.
Todo dia essa luta, a permanência dos corpos sólidos e o temporal incoerente que molha as plantas já regadas, o chão dissimulado, os furores de dentro. Dentro, uma
batida forte. Marcação de um compasso antigo no seu peito e uma voz ao longe que diz: é
preciso acreditar na diferença, a fidelidade é uma muralha que nos protege de querer compreender qualquer coisa por inteiro. Ela se sentava para dançar, só os dedos
correndo pelas superfícies. Experimentava texturas, às vezes gritava. Seus
sustos eram sem razão. Ela inteira dentro de uma atmosfera forjada: a luz do dia não
dizia nada sobre seu corpo, quem era, ao sol do meio dia? E depois, às três? Invejou
os seres guiados pela luminosidade, o tropismo das plantas, o delírio mortal
das mariposas. Que a luz fosse esse sentido, essa sedução. Mas fechava-se em um
escuro sem saída. O único caminho era mesmo a dança das suas mãos. Com seus
dedos urdia uma mortalha. Linho para revestir a morte ou manta de acolher nascidos?
Melhor era lavar a casa, esfregar as
paredes, os azulejos, o chão antigo. Investigar os cantos, tentar a paz com os
animais. Mas o dia passava e sua febre
era a direção de seus impulsos. Machucava-se contra as superfícies, como quem
de repente deixa de caber e depois tornava a conviver com as medidas que conhecia,
buscando o cálculo exato que revelasse a anatomia do acidente, do acaso bruto tornado lenta vida.
segunda-feira, 25 de março de 2013
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