Quando eu tinha 20 anos escrevi esse pequeno romance. Desde então, nunca achei que valesse a pena mostra-lo ao mundo. Hoje parei para revê-lo e tudo fez muito sentido, mesmo o que me pareceu ingênuo. E mais sentido ainda fez reencontrar essa que um dia eu fui. Não tem nada de virtuoso aí, mas muita honestidade juvenil. Para que eu não esqueça nunca mais, para minha mãe, para Simone Weil e Joana D'Arc, para o leitor.
http://pt.scribd.com/doc/117805241/Historia-das-Cinzas-Priscilla-Menezes
domingo, 23 de dezembro de 2012
sábado, 1 de dezembro de 2012
Eu te confronto, as pernas onde
deveria estar a cabeça, o coração batendo forte, formigando feito um pé
cansado. Meu corpo correndo solto pela casa, tua voz galopante me pedindo
quietude, me pedindo ajuda. Dias de sono partilhado: teus cansaços embalando meu sonho, minha fome pedindo teus olhos. Herdei de ti os olhos ansiosos, os
dentes afiados, as mãos cortantes. Tu abrindo os tecidos, as peles,
desvendando existências. Eu manuseando superfícies, roçando meu fôlego contra
folhas, catalogando tatos.
Estamos, eu e tu, sob um sol
pleno e vertical. Em volta, o dia quente, o chão seco de areia extensa.
Sentamos uma de costas para a outra. Nossas respirações dançam, és sombra para
mim. Tu, alívio para minha pele.
Estamos em uma calçada, a casinha
de bonecas que ganhei de ti vai embora rua abaixo como um monumento errante. Dou adeus a algo que não sei o que é. Seguro tua mão. Inspiro longamente e inauguro uma nostalgia, o dia está repleto de promessas. Tu, solidez da minha tontura.
Andamos por corredores extensos,
minha cabeça se ampara em teus quadris, dissolvo, escorro. Teus braços me
mantém inteira. Tu, água calma onde ensaio tormentas.
É porque tenho o dia todo para
mim que abro gavetas, investigo armários. Tardes entre roupas, sendo coisa
entre as coisas. Descobri uma vertigem nas gavetas: um espelho apontando para o
teto, entre as minhas mãos, rente à minha barriga. Ando olhando para o teto
refletido, faço dele um chão fantástico: tropeço, esbarro. Passo o dia
deslizando pelo teto e tu não sabes. Teu corpo ausente, lugar da criação do
meu.
Porque tua voz é o início do
mundo que eu conheço, eu gestaria o som da tua fala, como tu gestaste o que eu
sou. Engendraria um timbre teu, pra ver nascer de mim essa sonoridade primeira.
Nossas vozes entrelaçadas, se estranhando. Tua voz me apresentando ao mundo e o
mundo se despindo em mim: esse, o céu; esse, um sorriso de amor; essa, uma
tristeza silente; esse, o mar; essa, tu.
Como eu te dava as mãos, para te
ver arrumar minhas unhas, cuidar do meu corpo inquieto, do meu cabelo agreste.
Porque teus vigilantes olhos me alertavam quando ia mais fundo que devia - no
mar, pelas ruas, pelos dias nebulosos. E também porque danças sem que ninguém
saiba, teu corpo quieto, de discreta bailarina, é que danço pelo mundo. Porque
de ti herdei o fôlego, a coragem, o grande aprendizado de estar só, a alegria
no ameno, a infinita tarefa de dar à luz todos os dias aquilo que um dia se
gestou.
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