Aos caminhantes:
Desata. Recebe do tempo o sentido
dos nossos passos mansos. Já é tarde e não nos conhecemos. Caminhamos pela
noite, eu sei que prendes teu corpo a um centro. Desprende. Estamos longe de
qualquer destino, o centro é o céu da minha boca perdido sob a notícia de um céu maior. Nada
nos acolhe, nenhuma âncora, nenhuma direção. Toco o teu braço apenas para que adivinhes:
não há motivo para estarmos aqui, o que nos trouxe foi a febre de nossas
pernas. Atravessa meu pensamento uma perigosa intenção: que meu mais antigo
destino seja o meu inesperado ardor. Não
há nada que nos preceda, nenhuma secreta conjunção: essa intricada sorte que
nos enreda é filha de nossos ímpetos ainda há pouco indecorosos. Sentes a
lentidão morna que nos protege, essa comunhão violenta e imprópria com tudo que
tem finitude? Esse é o risco que corremos quando abençoamos nossos pés com uma
desmedida vontade de ir. Magia é coincidir ato com apetite, e em estado de magia
os bons corpos se encontram.