Que anseio das coisas retidas. Te seguro contra o corpo, te escavo, te mantenho. E depois invento uma distância qualquer. Te imagino ausente, para te reimaginar inteiro. Tu longe de mim, antes de mim. Te tanger e te precisar indo embora, guardar na ausência a certeza viva do retorno. Justo eu que não quero a certeza, que desejo o limite da arrebentação. Eu que misturo a claridade da paz com o próprio escuro da noite.
Hoje ventou, e eu lembrei das nossas madrugadas. Tu chegavas sempre tão depois e eu te oferecia um pouco de tudo aquilo que eu tinha. Tu respondias com teu sono inquieto, com o corpo relutante. E eu te tocava, como quem toca a si mesmo: a mãos sôfregas e distraídas. A incidência ingênua de quem se olha com espanto a cada repetição do reflexo. Por isso, o véu no rosto, os pés plantados no chão. Esperando pelo silêncio dos encontros, prevendo a despedida delicada. Quantos corpos um corpo, quantas vidas sobrepostas, entrelaçadas, se tocando e se doendo.
Eram noites do teu olhar contido, teu riso quase seco e quase doce. Noites de encontros azuis, as vidas de distância entre nós. Tua pele, meu abrigo, um recorte dos meus dias no teu corpo. Inscrição das horas, escritura do vento os teus sinais. Era como dedilhar uma camada de tempo e depois assistir, muda, ao recorte das horas. E então era preciso cerrar os olhos, fechar as portas. Pensar que tu me acostumaste comigo e que tenho medo do que em ti não me lembra mais de mim. Dormir abraçada ao reflexo turvo, ao eco surdo, inexistente. E a cada vez que te vejo esmaecido, lembro do escuro dos teus olhos. Teus olhos impenetráveis, que apontam só pra fora. A cada gesto teu na direção oposta, uma vontade terna de ir a ti numa noite clara e velar teu sono. Soprar no teu ouvido de vigília. E depois ir embora no meio da noite, encostando muito pouco os pés no chão . Deixando sobre a mesa uma carta que comece dizendo: minha entrega, minha amarra, minha violência-terna. ficção-minha, reinvenção de mim. meu contrário, minha ausência, parte de mim que me transborda,
03/04/08
Nenhum comentário:
Postar um comentário