terça-feira, 31 de maio de 2011

viagem ao centro da terra

a febre constante que te queima, o corpo que só se abranda em brasa . mil mundos em órbita transladando em nossos pés. mercúrio vênus terra marte saturno netuno plutão não serão suficientes, e criaremos um novo mundo, relativo somente às nossas mãos. recobrirei tuas paredes do meu nome, esse que nunca te contei, de quando fui batizada na língua das pedras e ganhei essa pele de lava fria. eu te darei novos olhos, uns que me enxergassem de longe, dissolvida no limo das superfícies antigas. eu ganharei novos olhos, escuros como o céu curvo que tocamos com a língua e bagunçamos com com os dedos. e meus novos olhos serão lentos e próprios para as manhãs, olhos embriagados pela luz, entorpecidos pela melancolia das madrugadas rápidas. olhos escuros, que serão eles próprios o fundo triste do meu sono leve. que nos ofenda nosso desejo de silenciosos riscos, caminhadas sem destino, pois só nos solos do desvio é que nos botamos de pé.

crua

sentir o chão mais duro e frio, cantar as notas mais difíceis, recusar o destino de qualquer esconderijo. crua como uma nudez mais profunda que a da pele, exposição mais íntima que qualquer uma previsível. porque olhar bem fundo é o único jeito de olhar e estar disponível é a única forma de estar forte. a crueza é essa força: força do corpo que se encara e se convida a duelar. quero estar sempre próxima de tudo que em mim é incontenção. ter o instinto como substância que embriaga os meus poros-taça. crua feito bicho, feito a terra que se move e arrebenta, feito a carne que não esqueço que sou escondida em tanta pele.

dentro

o esculpido se faz por fora, na remoção, na limpeza. o fóssil é se faz por dentro, é cicatriz na terra, existência marcada pela força. o dentro é a potência da lava, da carnalidade do mundo - origem sempre renovada, sempre pronta a irromper subitamente. destruição maravilhosa: que nascer seja sempre deixar-se marcar pela navalha afiada de tudo que é súbito.


segunda-feira, 23 de maio de 2011

"A EPOPÉIA DO AMOR COMEÇA NA CAMA COM O LENÇÓIS
DESARRUMADOS FEITO CAMPO DE BATALHA)

é ali que eu começo a nascer para a madrugada & suas
vertigens onde você meu amor se enrosca em
meu coração paranóico de veludo verde & as delícias de continentes
alaranjados dormem em seu rosto de pérolas turvas oh tambores do amor
sem parar rumo às tempestades PLANETÁRIAS & suas
cachoeiras tristes & pesadas como lágrimas
gosto de gostar & a tv da alma amanhece bêbada & tenta
dizer alguma coisa"

(Roberto Piva)



tenta dizer como quem luta como quem pesca pra se livrar de si flutuando numa lâmina de água escura, que a revelação é que toda revelação é só textura que o absoluto é sempre efeito de corpos partidos, que toda essa potência é potência de invenção. que o relativo sempre tem seu fundo intocado. que o intocável sempre cabe na boca e tem gosto de terra amarga. é noite, e eu sempre volto ao Eclesiaste.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

"assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos."


(j.c.m.n.)



segunda-feira, 2 de maio de 2011

Água Viva

"escrevo redondo, enovelado e tépido, mas às vezes frígido como os instantes frescos, água do riacho que treme sempre por si mesma

escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar

sei que meu olhar deve ser o de uma pessoa primitiva que se entrega toda ao mundo, primitiva como os deuses que só admitem vastamente o bem e o mal e não querem conhecer o bem enovelado como em cabelos no mal, mal que é o bom

Não ter nascido bicho é minha secreta nostalgia

entro lentamente na escritura (...) é um mundo emaranhado de cipós, sílabas, madressilvas, cores e palavras - limiar de entrada de ancestral caverna que é o útero do mundo e dele vou nascer

estremece em mim o mundo

Venho do longe - de uma pesada ancestralidade. Eu que venho da dor de viver. E não a quero mais. Quero a vibração do alegre

existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim, que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes, rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas

minha selvagem intuição de mim mesma

Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo - cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico. Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor uma intensa alegria - e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens

o que te escrevo é de fogo com os olhos em brasa

O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo

o mais profundo pensamento é um coração batendo

Não vê que isto aqui é como filho nascendo? Dói. Dor é vida exacerbada. O processo dói. Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro, respiro.

e antes de mais nada te escrevo dura escritura"


C.L.