terça-feira, 31 de agosto de 2010

"Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardias
Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante na fila em frente no cinema...
As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
madrugada feita de binóculos da gávea
e chuverinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano."
Ana C.


Teu vulto, da cintura para baixo, ofuscado por uma janela
Então és insosso, anônimo e não sabes me fazer chorar
Brincas com os dedos de outra mão e eu perco a fome
Ensaio diante do espelho uma fala extrema
E meu segredo dança com superfícies falhas
Durmo pouco
Daqui a alguns anos lembrarei das noites insones com uma ternura gasta
Nada me interessa que não esse instante inerte
Não me acorda do pesadelo de te ver morrer
Teu beijo morno de bom-dia não será melhor que meu sonho mais escuro
Formulo um plano sem falhas de desejar as coisas ao contrário
para que essa atenção profunda que dedico a mim não se torne o mais banal dos meus cansaços
Brinco de solidão ao meio-dia, simulo calma e despudor
Caço tesouros, no escuro, com gigantes
Vou abraçar a mulher que você ama e dançar com ela passinhos de um dois três
passar a mão em seus cabelos doces e inventar um bigode falso pro meu rosto
É só isso que eu quero
Vou falhar em um suicídio cômico e serei oportuna para todos
Meu consolo é esse rosto monstruoso que carrego no pescoço e ninguém vê

domingo, 22 de agosto de 2010

gentil, sucinta, pedras vulcânicas sobre um criado-mudo
todo dia, pressinto uma verdade, depois lavo os cabelos, produzo espuma, repito o enxague
corto os pés enquanto danço, corto as unhas muito curtas, corto o frágil fio das coincidências entre nós
leio Augusto dos Anjos, extraio um siso, sinto um desejo longo e burro
choro sem controle antes do jantar, pergunto as horas, cometo um crime
pequeno acidente geométrico, minha imagem refletida, meu cansaço
carne plana, desordem bidimensional
acredito na teoria lamarckiana, rasgo papeis, não me reconheço em meus impulsos
faço uma prece, afio as armas, improviso uma conquista
sinto minhas mãos, não sinto mais
penso no teu rosto, numerosas vezes, com delicada força